terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Visconde partido ao meio

Às vezes alguém se julga incompleto e é apenas jovem.

Ao término da leitura de O Visconde partido ao meio, lamentei tê-lo lido neste momento. O livro, uma das obras mais conhecidas de Ítalo Calvino, é uma alegoria sobre temas como a moral, a polarização, a personalidade, as descobertas da juventude. E é por isso que lamentei que a leitura fosse feita neste momento da vida. Se estabelecermos o conceito de livro juvenil como aquele que é eleito pelo jovem como um bom livro, este seria um livro eleito da minha juventude.
            Isto porque é uma história recheada de descobertas. O narrador é um garoto que conta de perto a vida de seu tio, um visconde atingido por uma bala de canhão, que se divide em dois pedaços. As duas pessoas em que ele se transformou saem por aí praticando o bem e o mal, destruindo e construindo, uma metade de bom coração, a outra de um ódio infinito.
            As questões que este livro me trouxe são aquelas que me incomodavam em algum momento de descobertas: que ninguém é inteiramente bom ou mal, que a bondade excessiva é tão prejudicial quanto a maldade, e que só somos realmente completos quando reunimos o bem e o mal, o medo e a euforia, quando unimos as duas metades do tio visconde.
            Mas talvez eu não tivesse conseguido ler este livro na época em que essas questões surgiam pra mim. Senti dificuldades pra engrenar no livro, e a leitura só começou a fluir na segunda metade do livro, a metade que eu considerei como boa. Talvez seja um problema na tradução: uma bela história em linguagem truncada, de vocabulário difícil praquele leitor que eu era aos 13, 14 anos. Mas uma bela fantasia, um cenário mágico, fantástico, com todos os ingredientes pra fisgar aquele eu que eu era.

Ah, Pamela, esta é a virtude de um ser partido ao meio: entender o sofrimento de cada pessoa e coisa do mundo diante da própria imperfeição. Eu estava inteiro e não entendia, movimentava-me surdo e incomunicável entre os sofrimentos e as feridas disseminados por todos os lados. Pamela, não sou apenas eu um ser dividido e dilacerado, mas você também o é, assim como todo mundo. Portanto, possuo agora uma fraternidade que antes, inteiro, não conhecia: aquela com todas as mutilações e todas as carências do mundo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sobre a Glória

Não há exercício intelectual que não resulte em fim inútil. Uma doutrina é no início uma descrição verossímil do universo; passam-se os anos e é um simples capítulo – quando não um parágrafo ou um nome – da história da filosofia. Na literatura, essa caducidade final é ainda mais notória. O Quixote – disse-me Menard – foi antes de tudo um livro agradável; agora é uma ocasião de brindes patrióticos, de soberba gramatical, de obscenas edições de luxo. A glória é uma incompreensão e talvez a pior.

 BORGES, Jorge Luis. "Pierre Menard, autor del Quijote" in: Ficciones. Buenos Aires: La Nación, 1995. p. 68. (grifo nosso, tradução nossa).

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Carta de Guimarães Rosa a João Condé


Prezado João Condé,

        Exigiu você que eu escrevesse, manu propria, nos espaços brancos dêste seu exemplar de "Sagarana", uma explicação, uma confissão, uma conversa, a mais extensa, possível – o imposto João Condé para escritores, enfim. Ora, nem o assunto é simples, nem sei eu bem o que contar. Mirrado pé de couve, seja, o livro fica sendo, no chão do seu autor, uma árvore velha, capaz de transviá-lo e de o fazer andar errado, se tenta alcançar-lhe os fios extremos, no labirinto das raízes. Graças a Deus, tudo é mistério.        
        Algo, porém, tem de ser dito. Ao autor o que é do autor, mas a João Condé o que é de João Condé. Assim, pois, em 1937 - um dia, outro dia, outro dia... - quando chegou a hora de o "Sagarana" ter de ser escrito, pensei muito. Num barquinho, que viria descendo o rio e passaria ao alcance das minhas mãos, eu ia poder colocar o que quisesse. Principalmente, nêle poderia embarcar, inteira, no momento, a minha concepção-do-mundo. Tinha de pensar, igualmente, na palavra "arte", em tudo o que ela para mim representava, como corpo e como alma; como um daqueles variados caminhos que levam do temporal ao eterno, principalmente. Já pressentira que o livro, não podendo ser de poemas, teria de ser de novelas. E - sendo meu - uma série de Histórias adultas da Carochinha, portanto. Rezei, de verdade, para que pudesse esquecer-me, por completo, de que algum dia já tivessem existido septos, limitações, tabiques, preconceitos, a respeito de normas, modas, tendências, escolas literárias, doutrinas, conceitos, atualidades e tradições - no tempo e no espaço. Isso, porque: na panela do pobre, tudo é tempero. E, conforme aquêle sábio salmão grego de André Maurois: um rio sem margens é o ideal do peixe.
        Aí, experimentei o meu estilo, como é que estaria. Me agradou. De certo que eu amava a língua. Apenas, não a amo como a mãe severa, mas como a bela amante e companheira. O que eu gostaria de poder fazer (não o que fiz, João Condé!) seria aplicar, no caso, a minha interpretação de uns versos de Paul Eluard: “...o peixe avança nágua, como um dedo numa luva...”. Um ideal: precisão, micromilimétrica. E riqueza, oh! riqueza... Pelo menos, impiedoso, horror ao lugar-comum; que as chapas são pedaços de carne corrompida, são pecados contra o Espírito Santo, são taperas no território do idioma. Mas, ainda haveria mais, se possível (sonhar é fácil, João Condé, realizar é que são elas...): além dos estados líquidos e sólidos, porque não tentar trabalhar a língua também em estado gasoso?!
        Aquela altura, porém, eu tinha de escolher o terreno onde localizar as minhas histórias. Podia ser Barbacena, Belo Horizonte, o Rio, a China, o arquipélago de Neo-Baratária, o espaço astral, ou, mesmo, o pedaço de Minas Gerais que era mais meu. E foi o que preferi. Porque tinha muitas saudades de lá. Porque conhecia. Um pouco melhor a terra, a gente, bichos, árvores. Porque o povo do interior – sem convenções, "pôses" - dá melhores personagens de parábolas: lá se vêem bem as reações humanas e a ação do destino: lá se vê bem um rio cair na cachoeira ou contornar a montanha, e as grandes árvores estalarem sob o ráio, e cada talo do capim humano rebrotar com a chuva ou se estorricar com a sêca. Bem, resumindo: ficou resolvido que o livro se passaria no interior de Minas Gerais. E compor-se-ia de 12 novelas.
        Aqui, caro Condé, findava a fase de premeditação. Restava agir. Então, passei horas de dias, fechado no quarto, cantando cantigas sertanejas, dialogando com vaqueiros de velha lembrança, "revendo" paisagens da minha terra, e aboiando para um gado. Quando a máquina esteve pronta, parti. Lembro-me de que foi num domingo, de manhã. O livro foi escrito - quase todo na cama, a lápis, em cadernos de 100 fôlhas - em sete meses; sete meses de exaltação, de deslumbramento. (Depois, repousou durante sete anos; e, em 1945 foi "retrabalhado", em cinco meses, cinco meses de reflexão e de lucidez). Lá por novembro, contratei com uma dactilógrafa a passagem a limpo. E, a 31 de dezembro de 1937, entreguei o original, às 5 e meia da tarde, na Livraria José Olympio. O título escolhido era "Sezão"; mas, para melhor resguardar o anonimato, pespeguei no cartapácio, à última hora, este rótulo simples: "Contos (título provisório, a ser substituido) por Viator. Porque eu ia ter de começar longas viagens, logo após.
        Como já disse, as histórias eram doze:

I) - O BURRINHO PEDREZ - Peça não-profana, mas sugerida por um acontecimento real, passado em minha terra, há muitos anos: o afogamento de um grupo de vaqueiros, num córrego cheio.
II) - A VOLTA DO MARIDO PRÓDIGO – A menos "pensada" das novelas do "Sagarana" a única que foi pensada velozmente, na ponta do lápis. Também, quase não foi manipulada, em 1945.
III) - DUELO - Aqui, tudo aconteceu ao contrário do que ficou dito para a anterior: a história foi meditada e "vivida", durante um mês, para ser escrita em uma semana, aproximadamente. Contudo, também quase não sofreu retoques em 1945.
IV) - SARAPALHA - Desta, da história desta história, pouco me lembro. No livro, será ela, talvez, a de que menos gosto.
V) - QUESTÕES DE FAMILIA - História fraca, sincera demais, meio autobiográfica, mal realizada. Foi expelida do livro e definitivamente destruída.
VI) - UMA HISTORIA DE AMOR - Um belo tema, que não consegui desenvolver razoávelmente. Teve o mesmo destino da novela anterior.
VII) - MINHA GENTE - Por causa de uma gripe, talvez, foi escrita molemente, com uma pachorra e um descansado de espírito, que o autor não poderia ter, ao escrever as demais.
VIII) - CONVERSA DE BOIS - Aqui, houve fenômeno interessante, o único caso, nêste livro, de mediunismo puro. Eu planejara escrever um conto de carro-de-bois com o carro, os bois, o guia e o carreiro. Penosamente, urdi o enrêdo, e, um sábado, fui dormir, contente, disposto a pôr em caderno, no domingo, a história (n. 1). Mas, no domingo caiu-me do ou no crânio, prontinha, espécie de Minerva, outra história (n. 2) - também com carro, bois, carreiro e guia - totalmente diferente da da véspera. Não hesitei: escrevi-a, logo, e me esquecida outra, da anterior. Em 1945, sofreu grandes retoques, mas nada recebeu da versão préhistórica, que fôra definitivamente sacrificada.
IX) - BICHO MAU - Deixou de figurar no "Sagarana", porque não tem parentesco profundo com as nove histórias dêste, com as quais se amadrinhara, apenas por pertencer à mesma época e à mesma zona. Seu sentido é outro. Ficou guardada para outro livro de novelas, já concebido, e que, daqui a alguns anos, talvez seja escrito.
X) - CORPO FECHADO - Talvez seja a minha predileta. Manuel Fulô foi o personagem que mais "Humanamente" comigo, e cheguei a desconfiar de que ele pudesse ter uma qualquer espécie de existéncia. Assim, viveu ele para mim mais umas 3 ou 4 histórias, que nao aproveitei no papel, porque não tinham valor de parábolas, não "transcendiam".
XI) - SÃO MARCOS - Demorada para escrever, pois exigia grandes esforços de memória, para a reconstituição de paisagens já muito afundadas. Foi a peça mais trabalhada do livro.
XII) - A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA - História mais séria, de certo modo síntese e chave de tôdas as outras, não falarei sôbre o seu conteúdo. Quanto à forma, representa para mim vitória íntima, pois, desde o coméço do livro, o seu estilo era o que eu procurava descobrir.

Por ora, Conde, aqui está o que eu pude relembrar, acerca do "Sagarana". Se Você quiser, eu poderei contar, mais tarde -, num exemplar da 2ª edição - algumas passagens históricas, ocorridas entre o dia 31 de dezembro de 1937 e a data em que o livro foi entregue à Editora umversal. Serve?

Com o cordial abraço do
Guimarães Rosa.


In: GUIMARÃES ROSA, João. Sagarana. Rio de Janeiro: Record, 1984. (Col. Mestres da Literatura Contemporânea)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Oração a São Jorge

Um poema, como pode-se perceber:

Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge
para que meus inimigos,
tendo pés não me alcancem,
tendo mãos não me peguem,
tendo olhos não me vejam,
e nem em pensamentos eles possam me fazer mal.

Armas de fogo o meu corpo não alcançarão,
facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar,
cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar.

(...)
Glorioso São Jorge, em nome de Deus,
estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas,
defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza,
e que debaixo das patas de seu fiel ginete
meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós.

Assim seja com o poder de Deus,
de Jesus
e da falange do Divino Espírito Santo.
São Jorge Rogai por Nós.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Chesterton

"Ainda que os habitantes nada tivessem de 'artistas', tudo ali era artístico. Aquele rapaz de cabelos compridos e vermelhos e de feições impudentes não havia de ser necessàriamente um poeta, mas era irrefutàvelmente um poema (...). Por isso, e sòmente por isso, o lugar merecia estudos pertinentes e demorados; tinha de ser examinado menos como uma oficina de artistas do que como uma delicada, pôsto que consumada, obra de arte."


in: Chesterton, G.K. O homem que foi quinta-feira. Trad. José Laurênio de Melo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1958. pp 9-10.

dica da @keerolz

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Bastão de Simetria


Os fenícios não eram conhecidos por serem grandes guerreiros, na verdade eram melhores artesãos que guerreiros. Muita coisa leva a crer que os fenícios legaram à história dos povos e dos artefatos o Bastão de Simetria.
     Legado aos gregos ou aos macedônios, talvez com passagem pela ibéria, com certa passagem pelo oriente, com registros no sânscrito, o certo é que o Bastão de Simetria pertence, em análise última, à toda humanidade, ou, conforme as interpretações dos médio-orientais, a humanidade pertença aos artefatos mágicos).
     O Bastão é uma peça de madeira maciça, de tamanho e diâmetro em proporção áurea e de cor avermelhada. O atributo deste artefato é não permitir os movimentos do mais hábil manejador, e de igual maneira não permite o manejo do inábil.
     O guerreiro tem sua vontade anulada e seus gestos não fazem efeito, a peça é conduzida somente nas direções percebidas pelo universo, pela natureza ou pelo próprio bastão. De fato, a peça é quem conduz o manejador, em golpes de sacrifício, em leves acrobacias, sempre de maneira inédita e inequívoca. As mãos do soldado que a conduz são conduzidas, tendo este que adaptar seu corpo, seus gostos e preferências, sua mão de destreza aos movimentos orientados assim que o objeto é tocado, desencadeando seus movimentos lúcidos e simétricos.
     Dizem que estes movimentos já estão previstos em algum lugar, e que o Bastão de Simetria, perfeito na sua performance, reproduz o ordenamento divino da natureza e do cosmos, o que o tornou um oráculo para alguns povos do Mediterrâneo. Já foi considerado como umas das únicas maneiras de compreender A Divina Totalidade (o Tao dos chineses), e observá-lo ou tocá-lo poderia servir como cura a qualquer convalescência.
     É fato notório que alguns reis já tentaram utilizar tal artefato maravilhoso nas suas mais tenebrosas guerras, na certeza de saírem sempre vencedores, bastando para tanto ter a posse de um objeto que previsse a marcha da imensidão sideral. O que não perceberam de imediato foi a inutilidade do Bastão em ferir o adversário nas guerras, pois seus desígnios não previam qualquer movimento alheio aos seus princípios irracionais e secretos, o que na maioria das vezes não previa o ato violento. Logo os povos notaram que, em vez da guerra, o Bastão de Simetria servia muito mais para a dança, e passaram a incluí-lo apenas nos seus rituais do êxtase.


[Retirado de Fabra, António. "Artefactos blancos de la antiguidad". In: Encyclopaedia de los Artefactos y de la Magia. Madri: Mercador, 1912. p.82 - Tradução nossa]

terça-feira, 18 de maio de 2010

Memória

Há algo sim, e há só isto
que se confunde um pouco com o lamento,
que se escapa, que um dia já foi visto;
há a memória e há o esquecimento.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Estudo de Filologia

Possivelmente a decifração do que muitos entendem como o mistério bíblico (arcana para alguns, cabala para outros), subjaz na leitura das linhas-viúvas do códice original editado por Gutenberg no século XV.

A estrutura cônscia das linhas finais da página no codex original da Escritura pode ter uma relação direta com seu significado mais oculto, aquele buscado por judeus & católicos, escritores & teólogos. & o fato de os editores modernos evitarem tal recurso nos livros comerciais escamoteia um interesse maligno por esconder a verdade da massa. Isto nos remonta, como é de se supor, à Maçonaria, à Opus Dei, ao Dan Brown e a Dom Paulo Evaristo Arns.

Corrobora com esta leitura o item f do levantamento feito por Jorge Luís Borges do espólio de Pierre Menard (Ficciones, 1941).

Mas estas revelações não são dignas de veicularem num blog. A pós-modernidade tirou a credibilidade da informação, e com isto nossa capacidade de discernir a verdade da mentira, posto que a própria noção de verdade se perdeu, destoante do espírito do objeto de nossa análise, o incunábulo do século XV.

Se alguém encontrar a edição de Gutenberg num sebo por aí, me avise. Preciso verificar a informação na fonte, in loco.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O mundo animal

A boca de um cão tem menos bactérias e germes do que a boca
de um humano.

O gato possui 24 bigodes, agrupados de 4 em 4. Seus bigodes
são utilizadospara mensurar as distâncias.

O pescoço da girafa tem somente sete ossos, o mesmo número de
ossos do pescoço de um humano

O pato é um dos poucos animais que adaptou-se aos três meios
de locomoção: meio acquático, meio aéreo e meio terrestre.

Os peixes crescem e trocam de dentes durante toda a vida, e têm memória de apenas 3 minutos.

Quando o coelho está com sono ele cai de repente e adormece.

As borboletas degustam com as patas, e vivem em média duas semanas.

O pingüim é uma ave marítma, excelente nadadora e adaptada
para a vida no mar. Quando estão em terra têm certa dificuldade para se deslocar, por isso quando estão na neve ou no gelo eles deslizam de barriga.

O gorila é o maior macaco do mundo, e passa a maior parte do
dia comendo e descansando.


[do Mundo Animal Ilustrado.Lisboa: Antares, 1986. Coleção Enciclopédia dos infantes]

Pra provar que a gente tem que ler de tudo nesta vida.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Viatura

Ao sair do elevador, sem despertar suspeitas, com seu paletó de linho escuro e seus óculos de sol, ganhou a rua e a claridade do dia na larga avenida, onde o esperam mais 144 mil homens de igual aspecto ao dele, carregando sobre o corpo paletós de linho e sobre o rosto pares de óculos de sol. Até que uma viatura negra pára na calçada, bem ao seu lado, homens o algemam e o carregam à força para dentro do carro, do qual jamais sairá, pois não o porei para fora dele novamente.

(Retirado do Livro de Espectros, de José Maria Santiago, um escritor que não existe, como se vê. Tomo I, p. 144)

terça-feira, 6 de abril de 2010

A República.

Logo, o homem justo revela-se-nos, ao que parece, como uma espécie de ladrão, e isso é provável que o tenhas aprendido em Homero. Efectivamente, ele tem grande estima pelo avô materno de Ulisses, Autólico, e afirma que ele excedia todos os homens em roubas e em fazer juras. Parece, pois, que a justiça, segundo a tua opinião, segundo a de Homero e a de Simónides, é uma espécie de arte de furtar, mas para vantagem de amigos e dano de inimigos. Não era isso que dizias?


Platão. Livro I in: A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 8ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p.15

Este é Sócrates, um dos meus personagens favoritos, dando uma lição de moral em Polemarco nas primeiras páginas de A República. Algo me diz que essa noção de justiça como benefício dos interesses próprios permanece bem atual. Tanto que se cristalizou naquela famosa expressão: aos meus amigos tudo, aos meus inimigos a lei, que eu não me recordo de que origem provém.

Este livro promete.

segunda-feira, 22 de março de 2010

As entrevistas de Bolaño

Um novo blog surge.
Eu e o Daniel Fernandes, lá da Federal do Espírito Santo,
montamos um blog para editar as entrevistas do escritor latino-americano Roberto Bolaño.

estrelaselvagem.wordpress.com

A Companhia das Letras promete o lançamento da magnus opus do cara para maio. Se chama 2666.

Nas entrevistas, o cara mostra toda a sua erudição, traduzidas nas suas leituras e nas vivências. Fala dos inimigos, etc. Inclusive estou ansioso pra traduzir e postar aquela entrevista em que ele cutuca Garcia Marquez e Vargas Llosa.

Vai te influenciar se eu te disser que o autor mudou minha vida a partir de um livro?

terça-feira, 16 de março de 2010

Oh, Glória.

Foi um fenômeno dos anos 90, os tais dos Atletas de Cristo. Agradecer nas entrevistas a Deus, que calibrou meu pé pra pôr a bola na rede do adversário. Como se Deus jogasse só pra um lado. Às vezes a curva da bola foi um sopro divino.

Hoje, nas mesas redondas esportivas, o Roberto Brum diz que Deus está com ele, discurso que deixa subjacente a sentença de que com Luxemburgo estaria o Torto, o Coisa-ruim, o Xu, do qual o referido treinador (hoje no Atlético-MG) faria papel de representente comercial.

Kaká, ao comemorar seus gols, ergue as duas mãos ao céu, abre um angelical sorriso, transfere toda a habilidade humana, todo seu talento, à graça de uma força maior, que guia seus passos, seus passes. Ulisses conseguiu lá seus feitos heróicos, depois desafiou os deuses. Kaká devolve a Ele, como em oferenda, a gratidão por qualquer feito dentro de campo.

Eu, parcial redator e aficionado por futebol, fico com a comemoração profana, dionisíaca, aquela do craque Neto. Que, ao acertar chutaços homéricos do meio da Grécia para o ângulo reto do arqueiro, batia com a mão fechada no peito e dizia: "Eu sou F***!"

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Kâlî

Kâlî é a deusa do terrível, da destruição, da noite e do caos. Ela é a patrona do cólera, dos cemitérios, dos ladrões e dos prostituídos. Ela é representada enfeitada com um colar de cabeças humanas cortadas, seu cinto é feito de uma franja de antebraços humanos. Ela dança sobre o cadáver de Chiva, seu esposo, e sua língua, da qual escorre o sangue do gigante que ela acaba de decapitar, está completamente estendida para fora da boca, porque ela está horrorizada de ter faltado com respeito ao gigante morto. Conta a lenda que sua alegria por ter combatido e vencido os gigantes a levou a um tal grau de exaltação que sua dança fez tremer e oscilar a terra. Chiva acorreu atraído pelo tumulto, mas como sua mulher havia bebido o sangue dos gigantes, sua embriaguez a impediu de vê-lo: ela o derrubou, submeteu-o a seus pés e dançou sobre seu corpo.


Georges Bataille. “Kâlî”, in: Documents, 1968, pp. 180

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Da banalidade da poesia

(Trecho extraído do Literaturwissenschaft Handbuch, 1972, de Arthur Hildebrand, grande estudioso da cátedra de Teoria Literária da Universidade de Munique, filólogo e espécialista na Althochdeutsch, aqui em tradução livre)

Ao reunir-se na mesma mesa dois bons dicionários de língua alemã, um dicionário de antonomásia e paronomásia, um dicionário de ideias correlatas, um dicionário de rimas e uma boa gramática descritiva, deduzimos que se torna completamente dispensável o trabalho de engenho do poeta, restando a este apenas a lavra de recolher as palavras de sua predileção (o que destarte se chamará o "estilo" do poeta) e montar o texto final, a que futuramente se denominará "poema".


Isso num tempo onde não se falava muito de "software", programas de computador, essas coisas.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A lógica chavista. Um diálogo de Chavez & Chiquinha no México.

Como pede o rigor da ciência, segue o texto na língua original, no vernáculo.


— ¿Cómo harías para probar la temperatura del agua dónde vas a bañar a un
bebé?
— Metiendo al bebé al agua, y si el bebé se pone colorado está demasiado
caliente, si el bebé se pone morado, quiere decir que el agua está demasiada fría,
pero si el agua se pone negra quiere decir que el bebé estaba sucio, pero si el que
se pone negro es el bebé, quiere decir que lo que estaba sucio era el agua.



Não precisa falar mais nada, né?

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Consumismo

Durante quase um ano trabalhei numa grande livraria daqui de SP, lá na Paulista. Eu ficava no site, inserindo as capas e sinopses, revisando, etc. Daí que eu ficava olhando o cadastro dos produtos e só anotando o que eu ia comprar quando o salário caísse na conta. Entre CD's, DVD's e principalmente livros, segue a lista dos quase 80 produtos que comprei neste período, pra quem tiver a curiosidade:

Novembro -
TELEMORFOSE
ESBOÇO PARA UMA TEORIA DAS EMOÇOES
ESTUDO ANALITICO DO POEMA, O
SOMBRA DAS MAIORIAS SILENCIOSAS

Dezembro -
QUEDA, A
INTRODUÇAO AO PENSAMENTO DE BAKHTIN
EU SEI QUE VOU TE AMAR - AO VIVO
TARO DE MARSELHA, O
CARTAS DE J.R.R.TOLKIEN
IMPERIO DO GROTESCO, O
MUNDO DE SOFIA, O

Janeiro -
NA ESTRADA COM JUNG - A VIDA E AS IDEIAS DE C.G JUNG
ANTIGO TARO DE MARSELHA
POEMAS COMPLETOS DE ALBERTO CAEIRO
DIVINA INCRENCA, LA
QUE E TARO, O
TARO MITOLOGICO
INTRODUÇAO A PSICOLOGIA DE JUNG

Fevereiro -
QUELQU'UN M'ADIT
CHET BAKER - THE COLLECTION
KIND OF BLUE
FLEURS DU MAL, LES
KASPAR HAUSER OU A FABRICAÇAO DA REALIDADE
CULTURA POPULAR NA IDADE MEDIA E NO RENASCIMENTO,A

Março -
ILLUMINATIONS, LES
LIBERTINAGEM & ESTRELA DA MANHA
GRANDE SERTAO - VEREDAS
LITERATURA E SOCIEDADE
BONA - METODO COMPLETO DE DIVISAO MUSICAL 21M
SONG OF MYSELF - WHITMAN
ETRANGER, L'
COMPLETE SONNETS
METAFISICA DA SAUDE, V.1
CICLONES – ROBERTO PIVA

Abril -
TAO TE CHING - O LIVRO QUE REVELA DEUS
PEDRO PARAMO – ED. BOLSO
SENTIMENTO DO MUNDO
CEM MELHORES CONTOS BRASILEIROS DO SECULO, OS
PSICOLOGIA E RELIGIAO ORIENTAL
PEQUENO PRINCIPE, O
LEITURA DE POESIA

Maio -
PAULICEIA DESVAIRADA
JUNG
ARCO Y LA LIRA, EL
BARAO DE ITARARE
TARO - DICIONARIO E COMPENDIO
CONJUGAÇAO DOS VERBOS FRANCESES
JUNG E O TARO

Junho -
CAI O PANO - EDIÇAO COMEMORATIVA
DICIONARIO LAROUSSE FRANCES - PORTUGUES MINI
ROUND MIDNIGHT
MACHADO DE ASSIS – FOLHA EXPLICA
CULTURA E PSICANALISE
MITOS E TAROS

Julho -
TRES PATETAS, OS - V.2
MAGRITTE - TASCHEN 25 ANOS
MAGRITTE
AVENTURAS DE SHERLOCK HOLMES
SINCRONICIDADE
MAGMA

Agosto -
SOLANO TRINDADE - 100 ANOS
CONTANDO CAUSOS
INICIAÇAO AO TARO
PEDRO PÁRAMO


Obs.: comprava todos os produtos com um grande desconto, é claro.