terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Visconde partido ao meio

Às vezes alguém se julga incompleto e é apenas jovem.

Ao término da leitura de O Visconde partido ao meio, lamentei tê-lo lido neste momento. O livro, uma das obras mais conhecidas de Ítalo Calvino, é uma alegoria sobre temas como a moral, a polarização, a personalidade, as descobertas da juventude. E é por isso que lamentei que a leitura fosse feita neste momento da vida. Se estabelecermos o conceito de livro juvenil como aquele que é eleito pelo jovem como um bom livro, este seria um livro eleito da minha juventude.
            Isto porque é uma história recheada de descobertas. O narrador é um garoto que conta de perto a vida de seu tio, um visconde atingido por uma bala de canhão, que se divide em dois pedaços. As duas pessoas em que ele se transformou saem por aí praticando o bem e o mal, destruindo e construindo, uma metade de bom coração, a outra de um ódio infinito.
            As questões que este livro me trouxe são aquelas que me incomodavam em algum momento de descobertas: que ninguém é inteiramente bom ou mal, que a bondade excessiva é tão prejudicial quanto a maldade, e que só somos realmente completos quando reunimos o bem e o mal, o medo e a euforia, quando unimos as duas metades do tio visconde.
            Mas talvez eu não tivesse conseguido ler este livro na época em que essas questões surgiam pra mim. Senti dificuldades pra engrenar no livro, e a leitura só começou a fluir na segunda metade do livro, a metade que eu considerei como boa. Talvez seja um problema na tradução: uma bela história em linguagem truncada, de vocabulário difícil praquele leitor que eu era aos 13, 14 anos. Mas uma bela fantasia, um cenário mágico, fantástico, com todos os ingredientes pra fisgar aquele eu que eu era.

Ah, Pamela, esta é a virtude de um ser partido ao meio: entender o sofrimento de cada pessoa e coisa do mundo diante da própria imperfeição. Eu estava inteiro e não entendia, movimentava-me surdo e incomunicável entre os sofrimentos e as feridas disseminados por todos os lados. Pamela, não sou apenas eu um ser dividido e dilacerado, mas você também o é, assim como todo mundo. Portanto, possuo agora uma fraternidade que antes, inteiro, não conhecia: aquela com todas as mutilações e todas as carências do mundo.