segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Fahrenheit 451

"Por sorte, esquisitos como ela são raros. Sabemos como podar a maioria deles quando ainda são brotos, no começo. Não se pode construir uma casa sem pregos e madeira. Se você não quiser que se construa uma casa, esconda os pregos e a madeira. Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra. Se o governo é ineficiente, despótico e ávido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso. Paz, Montag. Promova concursos em que vençam as pessoas que se lembrarem da letra das canções mais populares ou dos nomes das capitais dos estados ou de quanto foi a safra de milho do ano anterior. Encha as pessoas com dados incombustíveis, entupa-as tanto com 'fatos' que elas se sintam empanzinadas, mas absolutamente 'brilhantes' quanto a informações. Assim, elas imaginarão que estão pensando, terão uma sensação de movimento sem sair do lugar. E ficarão felizes, porque fatos dessa ordem não mudam. Não as coloque em terreno movediço, como filosofia ou sociologia, com que comparar suas experiências. Aí reside a melancolia. Todo homem capaz de desmontar um telão de tevê e montá-lo novamente, e a maioria consegue, hoje em dia está mais feliz do que qualquer homem que tenta usar a régua de cálculo, medir e comparar o universo, que simplesmente não será medido ou comparado sem que o homem se sinta bestial e solitário. Eu sei porque já tentei. Para o inferno com isso! Portanto, que venham seus clubes e festas, seus acrobatas e mágicos, seus heróis, carros a jato, motogiroplanos, seu sexo e heroína, tudo o que tenha a ver com reflexo condicionado. Se a peça for ruim, se o filme não disser nada, estimulem-me com o teremim, com muito barulho. Pensarei que estou reagindo à peça, quando se trata apenas de uma reação tátil à vibração. Mas não me importo. Tudo que peço é um passatempo sólido."




BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451. Trad. Cid Knipel. . 2ª ed. São Paulo: Globo, 2012. pp. 84-5

terça-feira, 21 de julho de 2015

Livro das mil e uma noites I


Na noite seguinte ela disse: 

Eu tive notícia, ó rei venturoso, de que o rei, apesar daquilo tudo, tinha no coração um fogo que não se apagava e uma chama que não se ocultava, pelo fato de não haver sido agraciado com um filho varão que herdasse o reino após a sua morte. E nesse estado ele permaneceu durante vários anos. Então, já velho, estando certo dia sentado no trono do seu reino - cercado pelos notáveis de seu governo, pelos comandantes militares e pelos principais, todos sentados diante dele, e com os escravos e serviçais em pé a seu serviço, conforme o hábito, além do vizir, instalado a seu lado -, de repente entrou um criado e disse: "Ó rei do tempo, está à porta um mercador com uma jovem que serve para nosso amo, o sultão. Ele solicita conduzi-la à sua presença, e, se ela servir, ele a oferecerá a você. O mercador lembra que nesse tempo não existe mulher igual a ela, nem mais bela ou graciosa". O rei disse ao criado: "Traga o mercador à minha presença". O criado saiu e trouxe o mercador, que estava acompanhado de um dos secretários do rei, o qual o apresentou. O mercador beijou o chão e permaneceu inclinado. O rei ordenou-lhe então que se sentasse, conversou com ele e lhe dirigiu palavras afáveis, até que seu terror se acalmou e desapareceu o temor que o atingira devido à autoridade do rei. E essa é uma das marcas dos reis, líderes e sultões: quando algum mensageiro, mercador ou outro qualquer vem à sua presença resolver um negócio qualquer, eles o tratam com gentileza e afabilidade para que desapareçam os temores que o acometem devido à autoridade real. Em seguida, o rei encarou o mercador e disse...

E a aurora alcançou Sahråzåd, que parou de falar.


Livro das mil e uma noites. Vol. 2 - ramo sírio. trad. Mamede Mustafá Jarouche. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2008. p. 118-9



sexta-feira, 17 de julho de 2015

Janaína


Janaína vive no rio,
vive no açude,
vive no mar.
Lembrou-se de vir passear:
nas ôndias passou dendê.
As ôndias se acomodaram.
Cavalo-marinho veio
para ela se amontar.
No cavalo se amontou
galopando descuidada,
acordando os afogados,
dando adeus à maré grande.
Botando nome nos peixes,
ouvindo a fala dos búzios.
No ventre de Janaína
as escamas estão brilhando.
Nos olhos de Janaína,
na cauda de Janaína
tem cem doninhas pulando.
Nos peitos de Janaina
tem dois langanhos babando.
Se Janaína sorri
as ôndias ficam banzeiras.
Se Janaína está triste
o mar começa a espumar,
a pegar gente na praia
pra Janaína afundar.
– Janaína dá licença
que eu me afogue no seu mar?

Jorge de Lima. "Janaína" in: Antologia Poética. SP: Cosac Naify, 2014. pp.108-9



"Mermaids?" Ayla asked in shock. "But there's no such thing." "They're quite real all right," Sam countered.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Memórias, sonhos, reflexões I

"Em geral o homem atribui grande importância aos laços afetivos. Ora, estes encerram sempre projeções que é preciso retirar e recuperar para chegar ao si-mesmo e à objetividade. As relações afetivas são relações de desejo e de exigências, carregadas de constrangimento e servidão: espera-se sempre alguma coisa do outro, motivo pelo qual este e nós mesmos perdemos a liberdade."

Carl Gustav Jung. Memórias, sonhos, reflexões. (perdi a página, um dia eu acho)



  


Ódio eterno ao futebol moderno

É através das manifestações da massa pelos desportos da massa que uma via de transformação dá-se a conhecer. Quem dirá que um simples avanço no campo da moral esportiva não pode dar ensejo a toda uma revolução dos costumes, como a inévitável enxurrada de uma represa causada por uma rachadura na barragem?


quarta-feira, 15 de julho de 2015

Jean Valjean e o crime

"Jean Valjean é a personagem principal do livro Os Miseráveis, de Victor Hugo. Sua história é bastante trágica. Perde os dois pais ainda criança, sendo criado pela irmã. Quando ela fica viúva, com sete filhos para criar, ele começa a ajudá-la. Um inverno, porém, ele não consegue emprego. Desesperado, rouba um pão. É pego e condenado a cinco anos de trabalhos forçados, que, acrescidos de diversas fugas, tornam-se dezenove. Aos poucos ele vai percebendo que quem cometeu um crime não foi ele, foi a sociedade, pois o prejuízo que causou foi ínfimo em comparação ao que sofreu.
É expulso de todos os lugares, pelo simples fato de ser um forçado. O único que o abriga é Don Bienvenu, bispo de Digne. Jean Valjean rouba-lhe os talheres e foge no meio da noite. Porém é pego pelos policiais e levado à casa do bispo. Don Bienvenu, ao contrário do esperado, diz aos policiais que lhe dera os talheres, e lhe pergunta por que não levara os castiçais também. Tamanha bondade vinda de um ser humano faz Jean Valjean repensar sua posição em relação aos homens e à sociedade." (Wikipedia)


terça-feira, 14 de julho de 2015

Chesterton

"Ainda que os habitantes nada tivessem de 'artistas', tudo ali era artístico. Aquele rapaz de cabelos compridos e vermelhos e de feições impudentes não havia de ser necessàriamente um poeta, mas era irrefutàvelmente um poema (...). Por isso, e sòmente por isso, o lugar merecia estudos pertinentes e demorados; tinha de ser examinado menos como uma oficina de artistas do que como uma delicada, pôsto que consumada, obra de arte."


in: CHESTERTON, G.K. O homem que foi quinta-feira. Trad. José Laurênio de Mello. 2ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1958. pp. 9-10



Platão

Logo, o homem justo revela-se-nos, ao que parece, como uma espécie de ladrão, e isso é provável que o tenhas aprendido em Homero. Efectivamente, ele tem grande estima pelo avô materno de Ulisses, Autólico, e afirma que ele excedia todos os homens em roubas e em fazer juras. Parece, pois, que a justiça, segundo a tua opinião, segundo a de Homero e a de Simónides, é uma espécie de arte de furtar, mas para vantagem de amigos e dano de inimigos. Não era isso que dizias?


Platão. A República. Livro I. Trad. 8ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p.15