terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A primeira experiência de amor



Para a maioria de nós, a primeira experiência de amor, mesmo quando ele não dá certo – talvez especialmente quando ele não dá certo – promete que ali está a coisa que valida, que justifica a vida. E embora os anos subsequentes possam modificar essa visão, até que alguns de nós a abandone completamente, quando o amor acontece pela primeira vez, não há nada que se compare a ele, há? De acordo?

Barnes, Julian. O sentido de um fim. Trad. Léa Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Rocco, 2012. p. 60





segunda-feira, 16 de julho de 2012

The Graduate


Diferente do que pode parecer, o filme The Graduate ("A primeira noite de um homem") não trata de uma história de amor verdadeiro. O protagonista é um playboy virgem e ingênuo, recém-formado, que se envolve com uma mulher mais velha, esposa do sócio de seu pai. Acontece que depois ele se apaixona pela filha da tal mulher mais velha. O que move Benjamin é o desafio de se envolver com estas duas mulheres. Fica nítido em seu olhar na cena final o ar de: e agora, que há depois disso?

The Graduate é um filme de 1969 que antecipa a fotografia colorida e o vestuário dos anos 70. A trilha sonora, Simon & Garfunkel, é magnífica. Posso dizer que a música e também a atuação do Dustin Hoffmann como o garotão que pilota seu carro na autoestrada em busca da mulher que deseja é o que há de melhor no filme, mais que a história em si.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Borges e o romance


Mesmo assim, apesar de sua universalidade formal e da vertiginosa amplitude de seu leque de alusões, a estrutura da arte de Borges tem graves lacunas. Somente uma vez, no conto “Emma Zunz”, Borges criou uma mulher plausível. Em toda a obra restante, as mulheres são os objetos indistintos de fantasias ou recordações masculinas. Mesmo entre os homens, as linhas de força imaginativa numa ficção de Borges são extremamente simplificadas. (…) Quando aparece uma terceira pessoa, será quase invariavelmente, obliquamente, a alusão a uma presença, uma lembrança ou um rápido vislumbre instável na retina. O espaço de ação onde se move uma figura de Borges é mítico, nunca social. Quando se introduz um local, uma posição ou uma circunstância histórica, aparece em toques soltos, exatamente como num sonho. (…) São essas lacunas, essas intensas especializações na consciência, penso eu, que explicam as desconfianças de Borges em relação ao romance. Ele volta ao tema com frequência. Afirma que um autor obrigado pela visão fraca a compor mentalmente e, por assim dizer, de um só impulso, deve se restringir a narrativas muito breves. E é verdade que as primeiras “Ficciones” importantes se seguem ao grave acidente que Borges sofreu em dezembro de 1938. Ele também julga que o romance, como o poema épico que o precedeu, é uma forma transitória: “O romance é uma forma que pode passar, que certamente passará, mas não creio que o conto passará […] Ele é muito mais antigo”. É o contador de histórias na estrada, o skald, o narrador dos pampas, homens cuja cegueira é muitas vezes uma declaração do brilho e da riqueza de vida que viveram, que encarnam a noção de escritor de Borges. Homero é invocado amiúde como ícone protetor. Claro. Mas é da mesma maneira provável que o romance represente precisamente as principais dimensões faltantes em Borges. A presença feminina bem construída, as relações das mulheres com os homens fazem parte da essência da ficção plena. (…) Há muito de simples engenharia num romance.

STEINER, George. “Tigres no espelho” in: Tigres no espelho e outros textos da revista New Yorker. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Biblioteca Azul, 2012. pp. 213-214.



terça-feira, 8 de maio de 2012

O dia em que Emília encontrou-se com Hitler


O Visconde foi andando de sala em sala. Uma delas parecia a do Grande Ditador. — Era aqui — disse Emília — que ele mandava e desmandava. Agora, com certeza, anda escondido em algum buraquinho.
— Mas como poderemos reconhecê-lo?
— Pelo bigode. Nada mais fácil.
Com um pauzinho o Visconde começou a tirar os arianos escondidos nas frestas ou debaixo dos móveis. De sob a secretária do Grande Ditador saíram vários, evidentemente generais e homens de governo. Um deles tinha bigodinho.
A entrevista de Emília com o Grande Ditador dava um livro de mil páginas, mas temos de resumir. A pedido dela o Visconde ergueu-o até a altura da janelinha para que pudesse ouvir o seu discurso.
— Meu senhor — disse ela —, tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência o Visconde de Sabugosa, o milho falante lá do sítio de Dona Benta. E também me apresento a mim mesma — frau Emília, Marquesa von Rabicó. Viemos dar uma vista de olhos pelas Europas e o acaso nos largou nesta Alemanha de Vossa Excelência. Mas estou admirada do que vejo. Esperei encontrar o grande arsenal das ditaduras dando tiros de canhão e espirrando fogo, e o que no próprio palácio do Grande Ditador eu vejo são montinhos de farda vazios e arianos insetiformes, tímidos, nus, escondidos pelos cantos e vãos e frestas. Que foi que aconteceu, Excelência?
(...)
O Grande Ditador animou-se e quis falar. Emília o deteve com um gesto.
— Não diga nada, meu senhor. Já houve falação demais. Quem fala agora sou eu. Quero todos muito direitinhos e humildes. Esta semana de “redução” não passa de uma advertência que o tal “alguém” faz ao mundo. Compreende? 
Assim terminou Emília o seu sermão ao chefe do Eixo.


Lobato, Monteiro. A chave do tamanho. São Paulo: Globo, 2008. pp. 100-102


terça-feira, 24 de abril de 2012

Visita cruel


Ela segura as mãos dele. Conforme os dois vão se movendo juntos, Rolph sente a vergonha desaparecer como por milagre, como se estivesse virando adulto bem ali na pista, tornando-se um menino que dança com meninas feito a irmã. Charlie também sente a mesma coisa. Na verdade, essa lembrança é aquela que irá revisitar vezes sem conta, pelo resto da vida, muito depois de Rolph ter se matado com um tiro na cabeça na casa do pai aos 28 anos de idade: seu irmão ainda menino, com os cabelos colados à cabeça, os olhos brilhando, aprendendo timidamente a dançar. Mas a mulher que se lembrará disso não será Charlie; depois que Rolph morrer, ela recomeçará a usar seu nome de verdade – Charlene –, desassociando-se para sempre da menina que dançou com o irmão na África. Charlene vai cortar os cabelos curtos e estudar direito. Quando tiver um filho, vai querer batizá-lo de Rolph, mas seus pais ainda estarão traumatizados demais. Ela então chamará o filho assim na intimidade, apenas em pensamento, e anos depois estará em pé com a mãe junto a um grupo de pais torcedores ao lado de uma quadra esportiva vendo-o jogar e olhar para o céu com uma expressão sonhadora em seu rosto de menino.    p. 85.



Egan, Jennifer. A visita cruel do tempo. trad. Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2011.


 


quinta-feira, 29 de março de 2012

Emília

Emília sempre teve fama de não possuir coração. Mentira. Tinha sim. Está claro que não era nenhum coração de banana como o de tanta gente. Era um coraçãozinho sério, que “pensava que nem uma cabeça”.


Lobato, Monteiro. A chave do tamanho. 1ª ed. São Paulo: Globo, 2008. p. 40


terça-feira, 13 de março de 2012

Vassalagem

A mecânica da vassalagem amorosa exige uma futilidade sem fundamento. Pois, para que a dependência se manifeste na sua pureza, é preciso que ela surja nas circunstâncias mais derrisórias, e se torne inconfessável à força da pulsilanimidade: esperar um telefone é de certa forma uma dependência grosseira (...).



BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. 2ª ed. Trad.: Hortênsia dos Santos. São Paulo: Francisco Alves, 1981. p. 72




quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Filologia

A história imanente dos últimos milênios, da qual se ocupa a filologia enquanto disciplina histórica, é a história da conquista da auto-expressão humana. Ela abrange os documentos do avanço violento e aventureiro dos homens rumo à consciência de sua condição e à realização de suas possibilidades intrínsecas (...). Está contida aí toda a variedade de extremos de que é capaz nosso ser; desenrola-se aí um espetáculo de tal riqueza e profundidade que não pode deixar de pôr em ação todas as energias do espectador, ao mesmo tempo em que o torna capaz, por meio do enriquecimento conquistado, de alcançar alguma paz no âmbito do que lhe é dado.

AUERBACH, Erich. "Filologia da literatura mundial" in: Ensaios de literatura ocidental. São Paulo: Editora 34, 2007. p. 360.