quinta-feira, 28 de maio de 2009

Redação de uma criança do 3° ano.


Mês passado eu fui chamado para aplicar um simulado de prova em uma escola de Ensino Fundamental I (1° ao 5° ano) num município do interior de São Paulo.

A escola era pequenina, somente seis salas de aula havia. Os alunos cumprimentavam cada pessoa que entrava na sala com um "Bom dia, seja bem vindo!", em pé, com as mãos para trás, em posição de hino nacional. Saíam para o intervalo em fila, cantando, com a mão direita no ombro do colega da frente. No fundo da escola, um cavalo pastando e uma plantação enorme de alfaces. Lá faz muito frio.

Na parte da redação, a proposta para os alunos era a de elaborar uma carta a alguém que estivesse distante. Esta redação é de um aluno do 3° ano do Ensino Médio (antiga 2ª Série). Copiei correndo, escondido, assim que recolhi as provas, de tão bela que achei, e destoante das outras.


F. S. – 3° ano

Gustavo volte de unberlândia para nos jogar no seu video game e nos melecar na guerra de lama e jogar futebol e nadar na Piscina volte por fa
vor se não vou jogar um monte de lama na sua cabeça e no seu aniversario vou jogar um monte de ovos em você alembra do dia que nos caimos do barranco e se ralamos todos e do dia da corrida de carrinho de rolêma que nos costruimos e agora o carrinho já esta todo quebrado ai se você estivesse aqui e alembra do cacho de abelhas que nos quebramos nossa a gente esteve que sair correndo tchau.

Me impressionou (o professor pediria impressionou-me) a liberdade e o fio do raciocínio que o garoto tem. Um assunto vai puxando o outro, de maneira que chega um momento onde não sabemos se ele está continuando o raciocínio anterior ou está iniciando outro. Até porque não há pontuação. Eu acho isso maravilhoso.

Alguém reparou que ele grafa video game corretamente, mas não o faz com rolemã?

Achei curioso, ao contrário do esperado "se melecar", ele usou "nos melecar na lama". Esperado porque eu falo assim, talvez. Ele não. Entende? O menino sabe o que é saudade, saudade de um amigo.

Passei onze anos na escola, mais quatro na faculdade, e minha gana é alcançar o estilo da escrita analógica deste garoto. É uma pena pensar que essa criatividade e sinceridade será castrada pela figura do professor, que o aluno passará a odiar a língua após as aulas de análise sintática e preenchimento de lacunas.

Fica um pedido: caro professor, quando for corrigir as redações de seus alunos, avalie mais que a gramática, avalie a criatividade e a capacidade de lembrar das coisas boas que esse aluno viveu. Pode ser que você não forme um gramático ou um retórico, mas é possível que, se você der espaço para a expressão de um sentimento e ensinar o valor, o peso e a magia de cada palavra, você forme uma pessoa capaz de sentir, coisa que a gente não vê muito por aí. Quem sabe você não forma um artista?


quarta-feira, 20 de maio de 2009

Entrevista Exclusiva – Mãe Dináh


Mãe Dináh é Terapeuta Holística com CRT n° 23640/SP, sensitiva e intuitiva com percepção extra-sensorial. Nasceu em São Paulo, capital, é descendente de italianos, sensitiva com percepção extra-sensorial e palmeirense. Desde os 3 anos, já espantava a família com suas visões, que sempre se confirmavam. É considerada uma personalidade notória dos meios de comunicação com suas visões iluminadas, na maioria das vezes sobre o meio artístico. Previu, entre outras coisas, a morte dos Mamonas Assassinas; Mãe Dináh afirma que, quando os via na televisão, eles já estavam totalmente envolvidos em fumaça preta.
Sensitiva multimídia, auxilia via internet seus clientes, e nessa entrevista familiar e despojada, nos recebeu muito bem, falando sobre seus métodos, sobre Bakhtin, economia, sociologia e sobre o Prêmio Jabuti 2009.

Por que "Mãe" Dináh? Alguma coisa a ver com o arquétipo da Grande Mãe, acolhedora e aconselhadora?
Iniciou-se na minha infancia como uma brincadeira,,,,mãezinha prá lá mãezinha prá cá,,,,,a partir daí o apelido pegou e ficou.
Qualquer um pode ter percepções extra-sensoriais? Caso eu perceba que tenho algumas, o que devo fazer? Procuro um médico?
È um dom bastante raro....mas caso vc sinta algo alem do seu entendimento, tente se informar ao máximo junto a pessoas de sua confiança, e iniciados na matéria.
O que a senhora pensa dos Horóscopos diários de jornais e revistas? Eles realmente podem auxiliar a pessoa na sua jornada de individuação, na aprendizagem do existir?
A maioria deles é feita por leigos que precisam preencher páginas em jornais e revistas....mas há sim, pessoas sérias e profundas conhecedoras da matéria.
A senhora segue alguma linhagem esotérica ou mística? Seria a parapsicológica de Cayce e Swedenborg, a de Nostradamus ou Barão de Itararé; ou ainda a vidência espírita Kardecista?
Nenhuma delas,,,apesar de respeitá-las todas. Sigo unicamente meus instintos.
Há algum tipo de método de adivinhação correspondente à numerologia, só que com as letras, que possa auxiliar os estudantes nas verificações de leitura?
Não a meu conhecimento, mas isso não quer dizer que não exista.
Conte-nos, resumidamente, uma experiência de vidência em seu círculo cotidiano que te marcou.
São muitos,,,,,,,qualquer bibliografia minha as comenta......obviamente uma das que mais foram faladas na mídia, foi o acidente fatal dos mamonas assassinas.
Mãe Dináh, por que prever coisas tão distintas, desde desastres com personalidades até resultados de futebol e de outras competições esportivas?
Não faço previsões por comanda.....elas fluem,,,,e quando têm algum apelo mediático, as divulgo quando sou perguntada.
Passamos recentemente por uma época típica brasileira muito interessante, o carnaval. Assim como Bakhtin na sua teoria sobre Dostoiévski utilizada posteriormente para falar de Rabelais, a senhora também acha que o carnaval é uma festa sem ribalta, onde não há atores nem espectadores, onde há um "mundo invertido"?
Nosso carnaval é admirado e invejado pelo mundo todo......eu não diria que é um mundo invertido.....é a mais profunda realidade......as pessoas se tornam o que realmente gostariam de ser.......é o mundo na sua mais profunda realidade
Levando em conta o contexto social do Brasil, gostaríamos de saber o que a senhora, como uma personalidade pública, pensa a respeito de mulheres que se mostram em comerciais de cerveja e revistas de entretenimento masculino em troca de dinheiro. A senhora considera isso um tipo de prostituição?
Se isso for considerado prostituição, então quem não o é?..... quem vai atirar a primeira pedra?
O que a senhora pensa do Mito do Eterno Retorno, debatida por gente como Nietzsche e Mircea Eliade, simbolizado pela cobra que engole o próprio rabo? O que a pessoa faz, volta para ela em dobro? É possível, simbolicamente, uma cobra engolir um rabo?
Minha cultura não me permite responder com precisão a esta pergunta ,,,entretanto infelizmente nem sempre as maldades desse mundo recebem o castigo em dobro como o teriam merecido.
Mãe Dinah, a senhora, como sabemos, previu a morte dos Mamonas Assassinas, em 1995. Tendo em vista as atuais teorias da Força da Atração do Universo, notabilizadas sobretudo no livro O Segredo, a senhora se sente, em parte co-responsável pela fatalidade com o grupo, em 1995?
Absurda a pergunta........ ainda bem..
Pessoas dizem que, de acordo com o calendário Maia, o mundo acabará em 2012. A senhora acredita nisso?
NÃO !!
Há como ajudar a sociedade com as previsões, e, assim, tornar o mundo melhor? Ensinar gênero na escola ajuda?
É o que tento fazer,,,,,,,,
Um pouco sobre sua vida, a senhora ainda pensa em realizar seu sonho de se tornar freira ou cantora?
Meu sonho atualmente é a felicidade de minha filha e de meus netos....
Deixe-nos, uma previsão para o ano de 2009 nas artes e na cultura, de um modo geral, e sobre quem será o Campeão Brasileiro de 2009 e do Prêmio Jabuti de Literatura
Como falei anteriormente,,,,não faço previsões a pedidos.......qdo os sinto e vejo os falo,,,,não aconteceu nesse momento,,,sinto muito.....apesar de palmeirense......
(As perguntas e respostas desta entrevista são reais. O contato com a entrevistada foi intermediado por sua assessoria de imprensa. Deixamos claro que a intenção deste post foi a de valorizar esta simpática figura do folclore kitsch nacional.)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Poet du Jazz; 21 anos...


Há exatamente 21 anos, hoje, um dia depois da minha chegada ao mundo, despencava do seu apartamento em Amsterdam o Chet Baker.

Quando eu tinha uns 5 ou 6 anos, na coleção de cds do meu tio eu via um álbum com o rosto dele na capa, aquela cara de garoto, e lembro que quando ouvi a voz dele me pareceu que eu já havia ouvido aquela voz antes, e sempre que eu ouço parece que eu já ouvi aquela voz antes.

Chet Baker, assim como eu, ouvia muito Miles Davis, depois acabou influenciando muita gente, até mesmo a bossa nova brasileira. Ele tem uma canção, "I Fall in love too Easily", que lembra muito aquela música do Tom Jobim, "Triste" (Triste é viver na solidão... lembra?), ou aquela em que o João Gilberto canta a famosa frase do filósofo Pascal (O coração tem razões que a própria razão desconhece...). A música se chama "Aos pés da Cruz".

Ah... essa voz...

Chet empunhava o trompete como um símbolo fálico, essa é que é a verdade.

Tem aqueles versos do Roberto Piva: "eu vejo Brama sentado em flor de lótus/ Cristo roubando a caixa dos milagres/ Chet Baker ganindo na vitrola " (Visão de São Paulo à noite).

Tem um monte de coisa.

E eu só dividi o mundo com ele um só dia, entre 12 e 13 de Maio.

Era um cara que vivia pela heroína e pelo jazz, mais pela heroína que pelo jazz. Foi chamado, por conta da beleza, da suavidade da voz, daquele aroma tátil que saía do trompete, de "Poeta do Jazz". Chet Baker era um alquimista, a reencarnação de Rimbaud. Apolíneo e Dionisíaco.

Acontece que faz 21 anos que ele se desequilibrou, ou que foi empurrado, ou que se jogou, faz 21 anos que eu estou despencando daquela sacada, no seu apartamento, em Amsterdam.