quinta-feira, 21 de julho de 2011

Conversa com Andrés Neuman


Na última Feira Literária Internacional de Paraty, os escritores Andrés Neuman e Michael Sledge foram os convidados para compor a mesa intitulada 'Viagens Literárias'. O primeiro, argentino radicado na Espanha, foi falar de seu livro O viajante do século, seu único título lançado no Brasil até agora. 

* * *

Na saída do evento, consegui trocar algumas palavras com Andrés. Pedi para que ele assinasse meu exemplar de Bariloche, uma novela curta sobre um lixeiro solitário que tem como hobby montar quebra-cabeças e suas relações com o colega de trabalho e melhor amigo. E com a mulher deste.

"Estão vendendo Bariloche nesta livraria aqui?", ele perguntou, apontando para a livraria oficial do evento. "Não, esse eu comprei faz tempo" "E como você conseguiu este livro no Brasil?" "Importei, pela internet", e fui explicando para ele sobre a aquisição e leitura de Bariloche, livro inédito no Brasil, lançado na Espanha pela tradicional Anagrama. "Sou muito fã de Bariloche", eu disse, "É um livro muito lírico". Ele devolveu com um sorriso: "A intenção era essa, fazer um livro ao mesmo tempo lírico e sórdido. Como é seu nome?". 

Enquanto ele assinava meu livro, perguntei: "Andrés, você chegou a conhecer o Bolaño?"; fez cara de surpreso e respondeu: "Sim, conheci! Era um homem muito... sarcástico!" "E ele tinha aquela voz de fumante?" (olha só, com tanta coisa para perguntar, na hora me veio isso, a voz de fumante do cara que escreveu 2666). Outro sorriso: "Sim, uma voz grave, pois fumava muito. Era uma grande presença, muito sarcástico, bom de conversa, com muito assunto" "Um homem muito grave, deve ter sido" "Não, Lucas, nem tão grave, até que bem humorado - e sarcástico", fez uma pausa, "e culto, um homem muito culto".

Ele terminou de assinar, conferiu a página de créditos, ensaiei perguntar sobre seu editor, Jorge Herralde, também figura da minha admiração. Perguntou sobre meu emprego, com que trabalhava, e disse: suspeitei que trabalhasse com livros, apertou minha mão e desejou-me sorte.



segunda-feira, 18 de julho de 2011

The Canary Murder Case II

É terrível, minha tia me convida para o seu aniversário, compro de presente um canário pra ela, chego lá não tem ninguém, meu calendário é defeituoso, na volta o canário canta aos montes no bonde, os passageiros entram em estado de cólera, tiro o bilhete do animal para que o respeitem, ao abaixar-me dou com a gaiola na cabeça de uma senhora que me mostra os dentes, chego em casa banhado de alpiste, minha mulher fugiu com o escrivão, caio duro no saguão e esmago o canário, os vizinhos chamam a ambulância e o levam em uma maca, fiquei a noite inteira jogado no saguão comendo o alpiste e ouvindo o telefone na sala, deve ser minha tia ligando, e liga pra que eu não me esqueça do seu aniversário, ela sempre conta com o meu presente, minha pobre tia.


In: CORTAZAR, Julio. Ultimo Round. 3ª ed. Madrid: Siglo Veintiuno Editores, 1972.. (tradução nossa).


terça-feira, 5 de julho de 2011

Bariloche

Penso que melhor se forma uma família para tentar matar a orfandade de que cada um sofre desde que nasce. Por isso me sentia tão só quando via como mamãe levava sopa e pão ao velho e ele não a olhava nos olhos, muito concentrado na chaminé como que imaginando sua própria fogueira, tentando se acostumar às chamas ainda que fosse com os olhos que negava à mamãe. Todos nos sentíamos muito sós.

(...)

Neuman, Andrés. Bariloche. Barcelona: Anagrama, 1999. Colección Compactos. p. 113. (tradução nossa)