quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Encontro casual



A condição mortal implica sempre uma divisão, um dilaceramento e um encadeamento de eventos trágicos. Essa duplicidade aparece na sua versão mais nítida no caso de Édipo: inocente e culpado; sábio e louco; poderoso e miserável. Nenhum de seus atos foi intencional, mas ele é o culpado de todos. (...) A condição de Édipo é extremamente significativa: a desgraça primordial do homem é ter nascido; sua culpa fundamental é por existir. A partir daí, como administrar o destino?

Franklin Leopoldo e Silva. Felicidade: dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos. São Paulo: Editora Claridade, 2006. p. 17.


No primeiro volume de Parerga und Paralipomena reli que todos os fatos que podem ocorrer a um homem, desde o instante de seu nascimento até o de sua morte, foram prefixados por ele. Assim, toda negligência é deliberada, todo casual encontro, uma hora marcada, toda humilhação, uma penitência, todo fracasso, uma misteriosa vitória, toda morte, um suicídio. Não há consolo mais hábil que o pensamento de que escolhemos nossas desgraças; essa teleologia individual nos revela uma ordem secreta e prodigiosamente nos confunde com a divindade.

Jorge Luis Borges. "Deutsches Requiem". In: O Aleph. São Paulo: Editora Globo, 1999. p. 48.



2 comentários:

  1. Ou seja, para que ler filosofia se temos a literatura que já bota em pauta todas as discussões físicas, éticas, metafísicas!


    ahhaah


    Desculpe, tenho que defender minha tão depreciada área.


    Abço

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  2. Sobre esse lance, leia: http://minireacionario.tumblr.com/post/15984296993/aurora-de-f-w-murnau-cinema-e-metafisica

    "Toda tragédia tem esse elemento: ver ou não querer ver. Na tragédia antiga, esse não ver não envolve culpa. A tragédia antiga parte do princípio de que existe uma certa limitação da inteligência humana. É um caso extremo, onde, mesmo agindo no melhor de suas capacidades, o homem não conseguiria entender, então ele se torna uma vítima inocente do jogo cósmico.

    Na esfera cristã, já não se admite isso e sempre há um sentido culposo, por isso mesmo o gênero trágico não floresce muito aqui. No mundo cristão, o que não quis ver tem culpa. Sempre há uma margem de manobra: as coisas poderiam ser de outra maneira. Pode haver um desenlace horrível, mas não trágico, porque não fatal. Foi uma escolha errada. De maneira aparentemente paradoxal, a culpa restaura a liberdade, porque ao assumir a culpa o sujeito vence, de certo modo, o destino fatal. As pessoas que hoje falam levianamente contra o senso cristão da culpa não entendem ou fingem não entender que a única alternativa a isso é o retorno à fatalidade trágica grega onde o inocente é sempre condenado. Os inimigos do sentimento de culpa são inimigos da liberdade."

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