
Mês passado eu fui chamado para aplicar um simulado de prova em uma escola de Ensino Fundamental I (1° ao 5° ano) num município do interior de São Paulo.
A escola era pequenina, somente seis salas de aula havia. Os alunos cumprimentavam cada pessoa que entrava na sala com um "Bom dia, seja bem vindo!", em pé, com as mãos para trás, em posição de hino nacional. Saíam para o intervalo em fila, cantando, com a mão direita no ombro do colega da frente. No fundo da escola, um cavalo pastando e uma plantação enorme de alfaces. Lá faz muito frio.
Na parte da redação, a proposta para os alunos era a de elaborar uma carta a alguém que estivesse distante. Esta redação é de um aluno do 3° ano do Ensino Médio (antiga 2ª Série). Copiei correndo, escondido, assim que recolhi as provas, de tão bela que achei, e destoante das outras.
F. S. – 3° ano
Gustavo volte de unberlândia para nos jogar no seu video game e nos melecar na guerra de lama e jogar futebol e nadar na Piscina volte por favor se não vou jogar um monte de lama na sua cabeça e no seu aniversario vou jogar um monte de ovos em você alembra do dia que nos caimos do barranco e se ralamos todos e do dia da corrida de carrinho de rolêma que nos costruimos e agora o carrinho já esta todo quebrado ai se você estivesse aqui e alembra do cacho de abelhas que nos quebramos nossa a gente esteve que sair correndo tchau.
Me impressionou (o professor pediria impressionou-me) a liberdade e o fio do raciocínio que o garoto tem. Um assunto vai puxando o outro, de maneira que chega um momento onde não sabemos se ele está continuando o raciocínio anterior ou está iniciando outro. Até porque não há pontuação. Eu acho isso maravilhoso.
Alguém reparou que ele grafa video game corretamente, mas não o faz com rolemã?
Achei curioso, ao contrário do esperado "se melecar", ele usou "nos melecar na lama". Esperado porque eu falo assim, talvez. Ele não. Entende? O menino sabe o que é saudade, saudade de um amigo.
Passei onze anos na escola, mais quatro na faculdade, e minha gana é alcançar o estilo da escrita analógica deste garoto. É uma pena pensar que essa criatividade e sinceridade será castrada pela figura do professor, que o aluno passará a odiar a língua após as aulas de análise sintática e preenchimento de lacunas.
Fica um pedido: caro professor, quando for corrigir as redações de seus alunos, avalie mais que a gramática, avalie a criatividade e a capacidade de lembrar das coisas boas que esse aluno viveu. Pode ser que você não forme um gramático ou um retórico, mas é possível que, se você der espaço para a expressão de um sentimento e ensinar o valor, o peso e a magia de cada palavra, você forme uma pessoa capaz de sentir, coisa que a gente não vê muito por aí. Quem sabe você não forma um artista?