terça-feira, 8 de maio de 2012

O dia em que Emília encontrou-se com Hitler


O Visconde foi andando de sala em sala. Uma delas parecia a do Grande Ditador. — Era aqui — disse Emília — que ele mandava e desmandava. Agora, com certeza, anda escondido em algum buraquinho.
— Mas como poderemos reconhecê-lo?
— Pelo bigode. Nada mais fácil.
Com um pauzinho o Visconde começou a tirar os arianos escondidos nas frestas ou debaixo dos móveis. De sob a secretária do Grande Ditador saíram vários, evidentemente generais e homens de governo. Um deles tinha bigodinho.
A entrevista de Emília com o Grande Ditador dava um livro de mil páginas, mas temos de resumir. A pedido dela o Visconde ergueu-o até a altura da janelinha para que pudesse ouvir o seu discurso.
— Meu senhor — disse ela —, tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência o Visconde de Sabugosa, o milho falante lá do sítio de Dona Benta. E também me apresento a mim mesma — frau Emília, Marquesa von Rabicó. Viemos dar uma vista de olhos pelas Europas e o acaso nos largou nesta Alemanha de Vossa Excelência. Mas estou admirada do que vejo. Esperei encontrar o grande arsenal das ditaduras dando tiros de canhão e espirrando fogo, e o que no próprio palácio do Grande Ditador eu vejo são montinhos de farda vazios e arianos insetiformes, tímidos, nus, escondidos pelos cantos e vãos e frestas. Que foi que aconteceu, Excelência?
(...)
O Grande Ditador animou-se e quis falar. Emília o deteve com um gesto.
— Não diga nada, meu senhor. Já houve falação demais. Quem fala agora sou eu. Quero todos muito direitinhos e humildes. Esta semana de “redução” não passa de uma advertência que o tal “alguém” faz ao mundo. Compreende? 
Assim terminou Emília o seu sermão ao chefe do Eixo.


Lobato, Monteiro. A chave do tamanho. São Paulo: Globo, 2008. pp. 100-102