O Visconde foi
andando de sala em sala. Uma delas parecia a do Grande Ditador. — Era aqui —
disse Emília — que ele mandava e desmandava. Agora, com certeza, anda escondido
em algum buraquinho.
— Mas como
poderemos reconhecê-lo?
— Pelo bigode.
Nada mais fácil.
Com um
pauzinho o Visconde começou a tirar os arianos escondidos nas frestas ou
debaixo dos móveis. De sob a secretária do Grande Ditador saíram vários,
evidentemente generais e homens de governo. Um deles tinha bigodinho.
A entrevista
de Emília com o Grande Ditador dava um livro de mil páginas, mas temos de
resumir. A pedido dela o Visconde ergueu-o até a altura da janelinha para que
pudesse ouvir o seu discurso.
— Meu senhor —
disse ela —, tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência o Visconde de
Sabugosa, o milho falante lá do sítio de Dona Benta. E também me apresento a
mim mesma — frau Emília, Marquesa von Rabicó. Viemos dar uma vista de
olhos pelas Europas e o acaso nos largou nesta Alemanha de Vossa Excelência.
Mas estou admirada do que vejo. Esperei encontrar o grande arsenal das
ditaduras dando tiros de canhão e espirrando fogo, e o que no próprio palácio
do Grande Ditador eu vejo são montinhos de farda vazios e arianos insetiformes,
tímidos, nus, escondidos pelos cantos e vãos e frestas. Que foi que aconteceu, Excelência?
(...)
O Grande
Ditador animou-se e quis falar. Emília o deteve com um gesto.
— Não diga
nada, meu senhor. Já houve falação demais. Quem fala agora sou eu. Quero todos
muito direitinhos e humildes. Esta semana de “redução” não passa de uma
advertência que o tal “alguém” faz ao mundo. Compreende?
Assim terminou Emília
o seu sermão ao chefe do Eixo.
Lobato, Monteiro. A chave do tamanho. São Paulo: Globo, 2008. pp. 100-102