sexta-feira, 11 de março de 2011

A Biblioteca de Babel

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Não me parece inverossímil que em alguma estante do universo haja um livro total; rogo aos deuses ignorados que um homem - só um, ainda que seja, há milhares de anos! - haja o examinado e lido. Se a honra e a sabedoria e a felicidade não são para mim, que sejam para outros. Que o céu exista, ainda que meu lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que em um instante, em um ser, Tu, enorme Biblioteca, se justifique.


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As epidemias, as discórdias heréticas, as peregrinações que inevitavelmente se degeneram em bandoleirismo, dizimaram a população. Creio ter mencionado os suicídios, a cada ano mais frequentes. Talvez a velhice e o temor me enganem, mas suspeito que a espécie humana - a única - está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvil, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.



BORGES, Jorge Luis. "La Biblioteca de Babel" in: Ficciones. Buenos Aires: Emecé Editores, 2005. p. 105-120 (tradução nossa)

"Passage Choiseul" (1990), Erik Desmazières.

terça-feira, 8 de março de 2011

Jean-Luc Godard por Jean-Luc Godard

Normalmente acontece assim; a morte chega e vestimos o luto. Não sei exatamente por que, mas eu fiz o contrário. Primeiro eu vesti o luto, mas a morte nunca chegou. 02:51

De certa forma, o medo é filho de Deus, redimido na sexta-feira santa. Ele não é bonito, zombado, amaldiçoado, renegado por todos. mas não entenda mal, ele cuida de toda a agonia mortal, ele intercede pelos homens. 08:29

Ninguém fala a exceção. Todos falam a regra. Ela não pode ser falada. (...) A regra quer a morte da exceção. A regra da Europa Cultural é organizar a morte da arte de viver, que ainda floresce sob nossos pés. 08:50

A imagem é pura criação da mente. Não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades distantes. Quanto mais os laços entre essas duas realidades são distantes e certos, mais forte será a imagem. Duas realidades sem laços não podem ser aproximadas de forma proveitosa. Nenhuma imagem é criada. E duas realidades contrárias não se conciliam uma com a outra. Uma imagem não é forte por ser brutal ou fantástica, mas porque a associação de ideias é distante. Distante e justa.
10:59

O espírito tem poder apenas na medida em que contempla o negativo face a face. 22:01

O que é trágico nas realções sexuais é a virgindade das almas. 26:11

A arte é como o fogo: nasce daquilo que queima. 33:55

Uma folha em branco é o verdadeiro espelho do homem. 36:58

Se pudermos mostrar que a carne é uma noção fundamental que não é nem união nem composição de duas substâncias mas pode ser concebida em si mesma. Se o visível tem uma relação consigo mesmo que me atravessa e me constitui como eu vejo. Observando este círculo que não sou eu quem crio, mas que cria a mim, essa espiral do visível com o visível pode seguir em frente e animar outros corpos, assim como o meu. E eu poderia compreender como essa onda nasce em mim como um visível adiante é simultaneamente minha paisagem. 44:11


Quando nos exprimimos, nós dizemos mais do que desejamos. Achamos que expressamos o individual, mas nós expressamos o universal. Eu tenho frio. Sou eu que digo 'eu tenho frio'. Mas não sou eu que sou ouvido. Eu desapareço entre estes dois momentos do discurso. Tudo que resta de mim é o homem com frio. E este homem pertence a todos. 46:35

Onde você vive? Na linguagem, e não posso me manter quieto. Ao falar, eu me lanço naquele lugar desconhecido, uma terra estrangeira. E subitamente me torno responsável por ela. Eu me tornei universal. 47:05

O passado não morre. Ele nem mesmo passou. 49:14

Um homem, nada além de um homem. Não melhor que nenhum outro, mas nenhum outro melhor que ele. 53:17