terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Telemorfose

"Toda a nossa realidade tornou-se experimental." p.19

"É aí, quanto tudo se dá a ver (como em Big Brother, os reality shows, etc.), que se percebe que não há mais nada a ver. É o espelho da banalidade, do grau zero, onde se faz a prova, contrariamente a todos os objetos, da desaparição do outro, e talvez mesmo do fato de que o ser humano não é fundamentalmente um ser social." p.20

"É este o objetivo mais claro da operação: a servilidade das vítimas, mas a servilidade voluntária, a das vítimas que gozam com o mal que se lhes faz, com a vergonha que se lhes impõe." p. 24-5

" (...) é no recalcamento que a sexualidade ganhou essa autoridade e essa aura de atrator estranho - manifestada, ela perde essa qualidade potencial" p. 27

"Pode ser talvez uma estratégia da mídia oferecer espetáculos mais nulos do que a realidade - hiper-reais em sua debilidade, e dando aos espectadores uma possibilidade diferencial de satisfação." p.38

"Em vista  (...) da adesão entusiástica a essa encenação da servidão experimental, pode-se adivinhar que o exercício da liberdade não é certamente um dado de base da antropologia e que o homem, se alguma vez a exerceu, não pára de se desvencilhar dela em favor de técnicas mais animais de automatismo coletivo." p. 47

"escancaramento para o abismo do corpo inteiro (...) não é também de longe sequer da história do califa que, após o strip-tease da dançarina, mandou esfolá-la viva, sempre para saber mais." p.52

"O século vinte terá visto todo tipo de crime - Auschwitz, Hiroshima, genocídios -, mas o único verdadeiro crime perfeito é, nos termos de Heidegger, "a segunda queda do homem, a queda na banalidade". p.58


BAUDRILLARD, Jean. Telemorfose. Trad.: Muniz Sodré. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Fotografia

Já viste trabalho em fotografia? Revelar uma chapa? Chapa é uma placa de vidro recoberto duma leve camada de gelatina sensibilizada, de aparência branca e opaca. Pões-na, porém, dentro do banho revelador e a imagem que existia misteriosamente oculta dentro da gelatina delineia-se aos poucos, vai ganhando contornos e nitidez, até de todo se revelar com perfeição. Tu foste para mim o que o revelador é para a chapa. Donde parecia nada existir que não fosse aridez e revolta, e orgulho e pessimismo e tédio, tu arrancaste mil qualidades preciosas e inestimáveis – amor, ternura, otimismo, alegria, bondade. Agora vejo que tudo isso existia em mim latentemente e só esperava a forte simpatia duma criatura como tu para se expandir. E sou-te grato, imensamente, por isso.

Trecho da carta de Monteiro Lobato à sua esposa, D. Maria da Pureza Natividade, em 1907.


in: Lobato, Monteiro. Cartas de amor. 1ª ed. São Paulo: Globo, 2011. p. 91